A atriz global Carol Castro é capa da edição desse mês da revista Playboy, publicação adulta mundialmente conhecida pelos seus ensaios (hoje "artísticos") de nu feminino - e, para alguns poucos, também pelas suas extensas e por vezes polêmicas entrevistas. Explicitamente voltada para o público maior de 18 anos e vendida lacrada nas bancas, a Playboy só é folheada por quem realmente se propõe a isso - e mesmo seus provocativos outdoors parecem ter sumido da paisagem urbana carioca, sugerindo talvez que também não mais existam nas ruas do restante do país. Considerando tudo isso, é difícil não qualificar como censura a recente decisão judicial que retira da revista (no caso, dos exemplares ainda a serem impressos) foto na qual Carol Castro aparece segurando um terço, com os seios à mostra e uma expressão algo compungida no rosto.
Podemos - devemos, na verdade - sempre nos questionar sobre os limites da arte, fotografia (e fotografia erótica) inclusa. Esse questionamento cabe à modelo, ao fotógrafo, ao consumidor da revista - e também a qualquer um interessado em valores como respeito ao outro e convivência civilizada. É óbvio que o tom e o potencial da foto já se anunciavam desde sempre para a modelo e para o fotógrafo, e sem dúvida cabe uma crítica de fundo a uma escolha que provavelmente considerou exatamente a celeuma que a imagem geraria - ou seja, usou-se um símbolo considerado por muitos como sagrado para vender revista, estratégia no mínimo moralmente discutível. Isso é um ponto, e talvez seja ponto pacífico - por mais que se possa justificar a cena a partir da "personagem" encarnada no ensaio, considerando também as múltiplas facetas da religiosidade popular, bem diversa do catolicismo pretendido por tantos dos nossos conservadores. O problema aqui é outro: uma modelo maior de idade consentiu em ser fotografada em uma certa pose, com um certo objeto - cuja sacralidade é reconhecida por um grupo limitado de pessoas; essa foto será exibida em revista lacrada, vendida (sim, em tese, antes que alguém levante o ponto) também apenas para maiores de idade. Nessas condições, vê a foto quem quer - internet inclusive, pois ela só surgirá na tela de algum computador caso o usuário clique em link relacionado ao caso, cabendo sempre alguma reclamação direta a site ou pessoa se o internauta desejava apenas ler sobre o imbróglio judicial e foi surpreendido pela foto, tendo ofendidas suas sensibilidades particulares. Considerando tudo isso, o resultado da decisão judicial apenas impede que responsáveis por uma revista privada veiculem foto com o consentimento de modelo e fotógrafo - e isso porque algumas pessoas (seria abuso enorme falar em "católicos" aqui, como qualquer passeio pelo Rio confirmará ao leitor) se sentiram ofendidas com o teor da imagem. Que virá depois? Para alguns poucos camponeses bolivianos, Che Guevara é santo, ente celeste merecedor de homenagens e capaz de atender pedidos complicados; censuraremos foto na qual cidadão pise em foto do carniceiro argentino? Ou adotaremos critério numérico - os católicos são maioria no Brasil, logo, não podem ser ofendidos; os fiéis de Che (que se crêem católicos, não esqueçamos) não são, e provavelmente nem tomarão contato com nossas revistas - logo podemos ofendê-los em uma delas... Quantos fiéis são necessários para estabelecer a sacralidade de algo? Inri Cristo pode ser ofendido, com foto erótica emulando o ser e suas animadas seguidoras? Ou preferiremos - como talvez queiram alguns por aí - um critério de antiguidade e respeitabilidade, com a classificação de religiões "sérias" estabelecida em sentenças judiciais?
Para fugirmos de todas essas sandices, a resposta é uma só: liberalismo. Não há sentido em sermos tolerantes com aquilo em que acreditamos, diante do que nos é caro - a própria palavra perde o seu significado original. Tolerar é exatamente suportar o que nos ofende, o que ironiza ou coloca em cheque nossos valores e crenças - e é essa uma das bases fundamentais da modernidade, ignorada por exemplo pelos islâmicos que usaram a violência contra charges supostamente ofensivas de Maomé. E entre usar da justiça e de pedras para limitar a seu gosto a liberdade de expressão alheia, a diferença é apenas de grau...
Podemos - devemos, na verdade - sempre nos questionar sobre os limites da arte, fotografia (e fotografia erótica) inclusa. Esse questionamento cabe à modelo, ao fotógrafo, ao consumidor da revista - e também a qualquer um interessado em valores como respeito ao outro e convivência civilizada. É óbvio que o tom e o potencial da foto já se anunciavam desde sempre para a modelo e para o fotógrafo, e sem dúvida cabe uma crítica de fundo a uma escolha que provavelmente considerou exatamente a celeuma que a imagem geraria - ou seja, usou-se um símbolo considerado por muitos como sagrado para vender revista, estratégia no mínimo moralmente discutível. Isso é um ponto, e talvez seja ponto pacífico - por mais que se possa justificar a cena a partir da "personagem" encarnada no ensaio, considerando também as múltiplas facetas da religiosidade popular, bem diversa do catolicismo pretendido por tantos dos nossos conservadores. O problema aqui é outro: uma modelo maior de idade consentiu em ser fotografada em uma certa pose, com um certo objeto - cuja sacralidade é reconhecida por um grupo limitado de pessoas; essa foto será exibida em revista lacrada, vendida (sim, em tese, antes que alguém levante o ponto) também apenas para maiores de idade. Nessas condições, vê a foto quem quer - internet inclusive, pois ela só surgirá na tela de algum computador caso o usuário clique em link relacionado ao caso, cabendo sempre alguma reclamação direta a site ou pessoa se o internauta desejava apenas ler sobre o imbróglio judicial e foi surpreendido pela foto, tendo ofendidas suas sensibilidades particulares. Considerando tudo isso, o resultado da decisão judicial apenas impede que responsáveis por uma revista privada veiculem foto com o consentimento de modelo e fotógrafo - e isso porque algumas pessoas (seria abuso enorme falar em "católicos" aqui, como qualquer passeio pelo Rio confirmará ao leitor) se sentiram ofendidas com o teor da imagem. Que virá depois? Para alguns poucos camponeses bolivianos, Che Guevara é santo, ente celeste merecedor de homenagens e capaz de atender pedidos complicados; censuraremos foto na qual cidadão pise em foto do carniceiro argentino? Ou adotaremos critério numérico - os católicos são maioria no Brasil, logo, não podem ser ofendidos; os fiéis de Che (que se crêem católicos, não esqueçamos) não são, e provavelmente nem tomarão contato com nossas revistas - logo podemos ofendê-los em uma delas... Quantos fiéis são necessários para estabelecer a sacralidade de algo? Inri Cristo pode ser ofendido, com foto erótica emulando o ser e suas animadas seguidoras? Ou preferiremos - como talvez queiram alguns por aí - um critério de antiguidade e respeitabilidade, com a classificação de religiões "sérias" estabelecida em sentenças judiciais?
Para fugirmos de todas essas sandices, a resposta é uma só: liberalismo. Não há sentido em sermos tolerantes com aquilo em que acreditamos, diante do que nos é caro - a própria palavra perde o seu significado original. Tolerar é exatamente suportar o que nos ofende, o que ironiza ou coloca em cheque nossos valores e crenças - e é essa uma das bases fundamentais da modernidade, ignorada por exemplo pelos islâmicos que usaram a violência contra charges supostamente ofensivas de Maomé. E entre usar da justiça e de pedras para limitar a seu gosto a liberdade de expressão alheia, a diferença é apenas de grau...