terça-feira, 27 de outubro de 2009

Estado Gordo

Na municipalidade de Dundee, Escócia, um casal perdeu a guarda de seus sete filhos sob a acusação de não proporcionarem uma alimentação saudável às crianças. Pesando atualmente 111(pai) e 145(mãe) Kg, os dois obesos escoceses e sua prole já custaram pelo menos 114 mil libras à cidade apenas em tratamentos visando reformar os hábitos à mesa - e longe dela também - da família.
Tendo o contribuinte financiado tão exorbitante e inútil projeto de reeducação alimentar, talvez fosse o caso de sugerir logo às autoridades locais que adotassem o exercício doméstico compulsório, expediente apresentado em 1984 que talvez não esteja mesmo lá muito distante da nossa realidade.
E para os pais de todo o mundo, fica o aviso: filhos sedentários(ainda que magrinhos), pouco sociáveis - tomado algum padrão científico-burocrático qualquer - ou que insistem em acreditar nas fantasmagorias religiosas dos crédulos progenitores provavelmente serão os próximos sequestrados pela sempre ciosa autoridade do Estado pai, mãe e patrão.
(Para além do tragicômico, o controle estrito sobre a educação - especialmente a infantil - é elemento central de qualquer totalitarismo - e não pode ser exercido em sua plenitude que não separando as novas gerações das influências perniciosas exercidas pelos hábitos contrarevolucionários arraigados dos indivíduos mais antigos de alguma coletividade: construir o homem novo é sempre mais fácil quando ele está separado ao máximo dos homens velhos.)
Edição
Apresentando e discutindo o post com alguns amigos, achei por bem esclarecer algo aqui: não sou em absoluto contra a existência de limitações ao pátrio poder levantadas e garantidas pelo Estado; sempre complexa, a questão dos direitos e da proteção devidos à menoridade não encontra respostas fáceis nem entre os mais razoáveis defensores do libertarianismo radical, corrente que já me parece comumente exagerada em sua oposição apriorística a qualquer coerção estatal. No caso - ainda nebuloso, sem dúvida - em questão, procurei apenas levantar as possibilidades abertas por um precedente perigoso, para dizer o mínimo: se é absolutamente aceitável (ainda que os casos particulares sejam sempre controversos, pelas definições e diagnósticos envolvidos) que pais sádicos se vejam impedidos de conduzir deliberadamente seus filhos a existências doentes, coisa bem diferente é definir (um IMC adequado, talvez? gradações de adiposidades?) quando a simples leniência ou os vícios alimentares dos genitores estarão prejudicando de tal forma uma criança que justifiquem uma intervenção governamental para proteger a saúde dos pequenos - ou nem tão pequenos assim, já que uma das filhas do casal mencionado está na flor da pré-adolescência. Dos pais, herdamos e copiamos, desde a primeira infância, hábitos e trejeitos, vícios e virtudes, todos a serem desenvolvidos ou atrofiados no contato com diversas influências ao longo da vida; como regra geral, prefiro uma continuidade desse mundo na qual as crianças permaneçam sendo criadas por indivíduos diferentemente falhos - como todos nós, que classificamos também diferentemente os erros e acertos alheios - e lidem (corrigindo ou aprofundando) com os elementos dessa herança imaterial quando adultos a uma sociedade em que o Estado definirá cada vez mais rigidamente que sujeitos são ou não merecedores de criar o filho que geraram.

sábado, 17 de outubro de 2009

Síndrome da China

Aberta na última terça-feira, a 61ª edição da Feira do Livro de Frankfurt - o mais tradicional e importante encontro do mercado livreiro no mundo - enfrenta duras críticas dentro e fora da Alemanha por ter cancelado a participação em seus simpósios e debates de todo e qualquer intelectual vetado pelo governo da China comunista, país homenageado no evento desse ano. Em resposta, organizações como o PEN Club alemão estão promovendo atividades paralelas com alguns dos escritores excluídos, garantindo que ao menos longe de casa (são exilados, em sua maioria) suas críticas ao regime chinês poderão ser livremente expressas e ouvidas por quem assim o desejar.

domingo, 4 de outubro de 2009

O Gibbon do comunismo

Em sua última edição, o interessante programa de entrevistas Milênio(Globo News) apresentou uma instrutiva conversa entre o sempre competente jornalista Silio Boccanera e o historiador inglês Archie Brown, autor de um calhamaço de 720 páginas recentemente lançado em seu país e entitulado simplesmente de The Rise and Fall of Communism(2009), título remetendo(como tantos outros) dificilmente por acaso ao monumental clássico Declínio e Queda do Império Romano, marco do iluminismo publicado em fins do século XVIII por seu conterrâneo Edward Gibbon. Como o antepassado mais notável, Archie também debruçou-se em fontes primárias e extraiu conclusões polêmicas, não se furtando a analisar tópicos delicados - por exemplo, os reais graus de afinidade entre o já famoso "marxismo de Marx" (a expressão vem de outro livro importante, dessa vez do francês Raymond Aron) e as trágicas e ditatoriais experiências ditas comunistas do século XX e os papéis e relevâncias de Reagan, João Paulo II e Gorbachev na crise que deflagrou o fim desses regimes no Leste Europeu. Sobre a primeira questão, Brown faz coro com as leituras conservadoras e liberais mais usuais e identifica no comunismo inequívocos males de origem, enfatizando entre eles a ausência dos tão anglo-saxônicos mecanismos de responsabilização(accountability, a tradução é aproximada) e equilíbrio entre os poderes(usa o termo checks and balances, a vertente americana da idéia) nas obras dos patriarcas Marx e Engels, silêncio explicado pelo utopismo central de uma visão totalizante pretensamente científica - salvacionismo muito bem discutido, aliás, no belo O Fenômeno Totalitário, de autoria do falecido professor uspiano Roque Spencer Maciel de Barros; sobre o segundo ponto, recusa os protagonismos comumente atribuídos a Reagan e ao Papa polonês e afirma que o governo soviético e seus vizinhos afins só implodiram por conta das escolhas de um Gorbachev reformista e crescentemente simpático à democracia, com os discursos e práticas do presidente americano apenas fortalecendo os linhas-duras de Moscou e o líder católico servindo principalmente como fonte de inspiração e conforto espiritual para alguns dos dissidentes do paraíso terreno, especialmente na Polônia.

A íntegra da entrevista está disponível no blog do programa, no post seguinte à apresentação em que Boccanera anuncia para logo uma edição brasileira do livro de Brown.