domingo, 4 de outubro de 2009

O Gibbon do comunismo

Em sua última edição, o interessante programa de entrevistas Milênio(Globo News) apresentou uma instrutiva conversa entre o sempre competente jornalista Silio Boccanera e o historiador inglês Archie Brown, autor de um calhamaço de 720 páginas recentemente lançado em seu país e entitulado simplesmente de The Rise and Fall of Communism(2009), título remetendo(como tantos outros) dificilmente por acaso ao monumental clássico Declínio e Queda do Império Romano, marco do iluminismo publicado em fins do século XVIII por seu conterrâneo Edward Gibbon. Como o antepassado mais notável, Archie também debruçou-se em fontes primárias e extraiu conclusões polêmicas, não se furtando a analisar tópicos delicados - por exemplo, os reais graus de afinidade entre o já famoso "marxismo de Marx" (a expressão vem de outro livro importante, dessa vez do francês Raymond Aron) e as trágicas e ditatoriais experiências ditas comunistas do século XX e os papéis e relevâncias de Reagan, João Paulo II e Gorbachev na crise que deflagrou o fim desses regimes no Leste Europeu. Sobre a primeira questão, Brown faz coro com as leituras conservadoras e liberais mais usuais e identifica no comunismo inequívocos males de origem, enfatizando entre eles a ausência dos tão anglo-saxônicos mecanismos de responsabilização(accountability, a tradução é aproximada) e equilíbrio entre os poderes(usa o termo checks and balances, a vertente americana da idéia) nas obras dos patriarcas Marx e Engels, silêncio explicado pelo utopismo central de uma visão totalizante pretensamente científica - salvacionismo muito bem discutido, aliás, no belo O Fenômeno Totalitário, de autoria do falecido professor uspiano Roque Spencer Maciel de Barros; sobre o segundo ponto, recusa os protagonismos comumente atribuídos a Reagan e ao Papa polonês e afirma que o governo soviético e seus vizinhos afins só implodiram por conta das escolhas de um Gorbachev reformista e crescentemente simpático à democracia, com os discursos e práticas do presidente americano apenas fortalecendo os linhas-duras de Moscou e o líder católico servindo principalmente como fonte de inspiração e conforto espiritual para alguns dos dissidentes do paraíso terreno, especialmente na Polônia.

A íntegra da entrevista está disponível no blog do programa, no post seguinte à apresentação em que Boccanera anuncia para logo uma edição brasileira do livro de Brown.