sábado, 7 de março de 2009

Ministério Público, um encosto federal

Você acredita que sacrificar animais, despachar baixas gastronomias pelos cantos da urbe e conclamar finados de moral controversa para desígnios duvidosos não são exatamente coisas espiritualmente engrandecedoras? Acha que um ente chamado Zé Pilintra está mais para etílico mineiro que entidade sobrenatural benfazeja? Recusa-se a enxergar honestidade em adultos protagonizando sacudidelas e saltitos entremeados por urros, infantilismos vocais e batucadas - e sem abadás ou Ivete Sangalo nas proximidades? Cuidado: no Brasil de Molusco e no mundo de Barack, você pode estar cometendo um crime - e em não muito tempo talvez seja tratado por aqui tal qual um molecote revisionista gaúcho pego alimentando um site neonazi qualquer.

Na última quinta-feira, o sempre atuante (que orgulho...) Ministério Público Federal decidiu dar mais um passo na sua gloriosa e já ancestral luta contra os horrores da liberdade de expressão que insistem em se manifestar - qual sobrenaturais zombeteiros - na nossa viçosa terra papagalli: o ilibado órgão defensor de todos nós entrou com uma ação na Justiça contra as redes de tv Record e Gazeta, que exibem programas da Igreja Universal acusados de ofenderem religiões de origem africana - incluindo malignas associações dessas manifestações religiosas com, vejam vocês, termos como "feitiçaria" e "macumba", depreciações notoriamente alheias a essas práticas afro-descendentes. Como pena por tão atrozes comentários, o MPF exige que as redes paguem 13,6 (Record) e 2,4(Gazeta) milhões de reais - além de multas diárias de mais 10 mil dinheiros se insistirem em veicular as tais mensagens inaceitáveis.

Não tenho qualquer simpatia pela igreja do Sr.Macedo, a mais famosa filha do Méier - muito pelo contrário, abomino a sua doutrina da prosperidade e suas consequências (ainda a serem melhor estudadas, tema fundamental e negligenciado) aparentes sobre a população deslumbrada e ignaríssima que compõe a principal clientela do Templo; em mais de um sentido, a bem-sucedida máquina de fazer dinheiro e eleger políticos da Av.Suburbana me parece desde sempre perigo infinitamente maior ao futuro das liberdades no Brasil que as minguantes fileiras das religiões de matriz africana, Átila Nunes à parte. Apesar disso, não tenho como ceder à tentação e trair os princípios desse blog (e meus também, principalmente) e negar à Universal e aos seus bispos o direito de falarem o que bem entenderem sobre as religiões dos orixás, caboclos e quejandos - direito que não anula, antes protege, o direito de resposta daqueles supostamente ofendidos. É da própria natureza das religiões salvíficas (e a precária teologia da Universal é derivação de uma delas, por tosca que seja) assumirem exclusivismos e identificarem como inimigas as crenças (não os fiéis, necessariamente) concorrentes, exclusivistas ou não - e o grau de civilidade com o qual esses repúdios são apresentados é sempre resultado de equação complexa, a ser desvendada por sociólogos, historiadores, teólogos e assemelhados, não uma questão a demandar mediação de ente estatal qualquer.

Ao defender uma (mais uma) restrição aos direitos de expressão baseando-se no politicamente correto e em uma visão new wave do fenômeno religioso, o Ministério Público Federal protagoniza - talvez ainda mais do que Macedo e os dele - uma macabra e perigosíssima dança do capiroto sobre o futuro do Brasil.